Tuesday, February 21, 2012

Depois do Carnaval





Uma saudade descompassada das ruas e das praias. Das pernas, das gentes e seus sorrisos.
Depois dos dias de festa, ruas lambuzadas de cerveja e de saudades, um sol faiscando amanheceres, outras promessas e novos perigos. Depois disso eu vim te procurar.
E perguntar baixinho onde andas, Joana?

Tu tao francesa e tao brasileira, toda cantada e recantada em chicos e jobins, vem e mata-me de rir, dizia ele, fala-me de amor. Vem Joana, e geme de loucura e de torpor..

Onde andas, Marina? Que daqui distante olhei as passistas na rua. Que daqui tao distante vi no vidro do televisor e por um segundo te imaginei mais bonita, sonhando na tela de silicio voce, toda favorita, ali onde disfarçado eu impossivelmente mestre-sala.

No meio da noite ouvi sinos repicando de um Recife que já quase desconheco, vi a areia de uma praia repisada, toda Rio e toda festa. E no meio da noite Marina me dizendo que já não sabe mais dancar, enquanto outra vez eu a repetir baixinho assim que nessas horas tudo que eu posso te dar é afinal solidão com vista pro mar... Pouco Caetano e Joaozinho Trinta. Algum Alceu. Mas tantos verões passados, eu passando também.

Depois do carnaval que aqui não houve o dia nascia outra vez, tranquilo e suave e frio.
E enquanto o sinal e as passistas e as mulatas e os folioes e as aguas da baía desapareciam num zap, lembrei de voce uma ultima vez, impossivelmente dizendo algo assim como que as vezes eu quero chorar mas o dia nasce e eu esqueco..

Fui eu, descubro o que já sabia, fui eu quem a muito tempo zarpou.

Tuesday, January 10, 2012

O Largo da Igreja

Uns dias Jacinto ia e voce não estava. Chamava teu nome repetido olhando pelo vidro da janela. Jacinto sem paz, contrastando tanto com a quietude daquelas tardes.
Um saco de sapotis como presente, sentava no banco dizendo teu nome, repetindo baixinho e chorando a perda das frutas além da tua perda, cadê voce, Mariana? Adonde fuistes senza di me?
Todo misturado jacinto e frutas e uma saudade que dava dó e raiva de tão repetida.
Cadê voce, Mariana? Jacinto deixava o saco com sapotis maduros, esquecido da fome e perdido em saudade, buscando Mariana noutros tempos.

Dos sapotis sabiam os garis da limpeza pública, comendo as frutas maduras deixadas ali naquelas tardes.

Monday, May 2, 2011

Viaduto Blues

Viaduto na sombra. De uma janela ao lado, Eliza olhava carros inundando a pista em horas de pico. "São Cristóvão abandonou a todos nós," ela pensava.

"Vou ficar aqui, olhando o viaduto passar, até amanha de manhã. Até que esse cinza encoberto pela noite, às vezes revelado em sujeiras relampejadas pela luz dos carros; até que esse horizonte cortado, travado em janelas cobertas de fuligem; até que a visão aqui em frente se expanda uma outra vez, a luz de um dia que não seja cinza retorne num colorido de prédios amanhecendo, sem o barulho nem a fuligem dos carros.

Eu vou ficar aqui, repito, ouvindo um cantar de cigarras nos paus, impossíveis flores de outono, quantas quedas. Vou ficar enquanto posso olhar dessa janela; esperando Juscelino e sua guitarra, esperando seu sorriso branco de tantos dentes enfileirados, sua voz mostrando-se às vezes enquanto me fala dos tangos que ouviu tocar, dos bares escuros nos quais se apresentou; falando, sem um som, das mulheres que lhe deram pouso e companhia.

Aqui estou, São Cristóvão, abandonada. Cinza como a visão que tenho diante de mim. esperando torcendo por um dia de cores abertas, outras profundidades, sons de outra festa.

Querendo não esperar nunca mais. Nem por silêncio de carros, nem por Juscelino chegando."

Saturday, April 9, 2011

E não havia ninguem para traduzir

Entre o quintal e a rua o que havia eram terras do reyno. Se eu soubesse que atravessar a praça me custaria tantos anos, teria deixado aquele lugar mais cedo. Juntava-me a alguma tropa, caixeiros viajantes quase nunca faltavam. O que eu não sabia era falar. Mas tinha braço forte e muito fôlego.

Bobeei, seu môço, bobeei. Nesse tempo todo eu pensei que cruzar a praça tivesse fundamento de razão. Tinha não. O senhor me entenda, por favor, eu era mais era um menino sonhando em ser homem.

Saturday, February 12, 2011

Arriving

"Vediamo, ancora un'altra volta," lui mi diceva. Each time a renewed solitude, all these returns summer after summer and impossible golondrinas flying around mid-morning.
Un deseo de Gardel y sus tangos y Mariana y sus dedos en el acordeón: 'la fisarmonica,' diceva. E oggi il cello soprattutto zitto.

Altri estati.

Today, my shoes worn out, silently. The house not more than a mirage, layer over layer over years over my grandmother's sleepless nights and all the vast ocean they negotiated before arriving here.

If I sit still I'll fulfill my journey: and in time will become at home, again.

Sunday, September 12, 2010

Birds

- "If you ask me that, yes, I know how to swim, I tell you. And yes, I could cross this cove, teeth clutching a rope, drenched clothes, late night. I could. But for what? I have now, my friend, nowhere to go back to."

- "And how about all those dreams of mangoes, freshly caught sapotis, graviola juice sticking to your lips in various sweetnesses and four o'clock afternoons?"

- "I lost them, you know, I can't even write about these, anymore."

Tuesday, September 7, 2010

Half way through

Pulava aqueles degraus num jogo que conhecia desde a muito tempo. Saltando o branco esmaecido de cada um, imaginando estórias de passos sobre aqueles traços escuros que se espalhavam pelo mármore trazido de longe no lombo de burros - Hermínia lhe contara um dia - e postas aqui num suadeiro de homens levantando e talhando e puxando e assentando cada pedra escada acima. Sem intervalo para mates. Seu avô se ocupava.

Séculos atrás - Hermínia contava revirando os olhos azuis e de vez em quando puxando o cabelo, liso e já quase branco, para trás da orelha. Sorrindo, no canto da boca, olhava enigmatica a me dizer que " asi como Borges hace tiempos, yo aún creía la ciudad eterna y perdiame, lo ves, en un Palermo que no ha existido jamás."

Sunday, August 8, 2010

Raízes - Todo origem

- "Você tem vontade de voltar?" she said.
- Sometimes I fell like floating weeds, você já viu o filme?
- Colorido, sim. Anos atrás, num começo de verão. Lembro do calor que fazia por lá. Da chuva. E de uma cena, a entrada do cais, uns barcos fora d'água. Tudo muito parado.
- Então.

Friday, July 2, 2010

Ferrolho III

"Àquela hora o jardim recendia a erva-doce e folhas secas, ao branco escurecido das paredes ao sol. Aquelas duas horas de verão e ele olhando, nenhuma brisa, se preparava já para sair, quando um homem apareceu lá de trás, veio vindo devagar, meio curvado e sempre, se aproximando até o portão e Boas tardes, e Aqui a chave, o Senhor olha e depois me devolve, pode gritar quando terminar. O homem voltou-se e saiu andando  para os fundos da casa de onde veio. Parado, ele olhava alternado homem, casa, jardim, casa, o cheiro vindo do jardim. (...)"
mais do texto, aqui.

Tuesday, June 22, 2010

Séculos atrás, ainda havia esperança

Sem saber, mergulhava no asfalto sem horizontes. Esperando a textura do chão, as ranhuras das camadas de tinta, silenciosamente. Anos depois havia perdido o sono, e o caminho. Mais ainda, perdera até a vontade de voltar.

Em silêncio, evitava lembrar o que vira, as casas no caminho, a estrada cortando em dois uma terra seca. A dureza do chão batido, seco até de lágrimas, não se recompunha mais em amanheceres gelados.

Dos quartos de beira de estrada e cafés nas xícaras, ele guardava uma lembrança amortecida, que há muito tempo deixara já de ser saudade.

Tuesday, June 15, 2010

Ferrolho II

Ocre diz seu nome

De palmeira em palmeira

 
Em algumas manhãs Emereciano chegava cedo na praça do Carmelo, olhando de longe horizontes cortados pela linha dos montes da serra do mar. Sem minas, sem sal, sem a precisão de voltar, ficava ali até o sol chegar alto, olhando barcos de pesca retornando e turistas recém-despertos perambulando pela beira do cais. E esperava que as portas do outro lado da praça se abrissem, e o cheiro de peixe fritando lhe convocasse para uma outra procissão. 

Ferrolho I

Medo verde. Quantas prisões não ousam dizer seus nomes.

Monday, June 14, 2010

Silêncios

Quando Emereciano chegou ali pela primeira vez, era noite de frio. O lugar não tinha mais de seiscentos moradores mas a proximidade do porto garantia algum movimento. Descer a serra era empreitada de muitos dias, molhados em águas torrenciais nos meses de chuva. Mata quase virgem onde abundavam jequitibás, guapuruvas, num mundo de troncos e cipós. O cheiro das orquídeas impressionando tropeiros, e o rugido de onças em noites de lua.

Nas curvas do caminho, clareiras abertas aqui e ali na picada descendo, os olhos se enchiam na visão do mar. Águas que curavam, diziam uns, as muitas ondas.

Trazendo carga das minas, Emereciano voltava levando sal. Fez isso por muito tempo, descendo em noites de lua. Durante os anos, enquanto esperava, se acomodava no largo da igreja do Rosário em silêncio. Fumando.

Behind another blue

She could not leave

Sunday, June 13, 2010

"Foi por amar que ela se amasiou com a tal solidão do lugar..."

Os anos de homilías, as preçes, deixavam marcas nas pessoas e nas coisas.
Depois que o café foi embora, enquanto os morros da região podiam enfim reclamar outra vez o que lhes havia sempre pertencido, fechando caminhos, cercando a cidade alimentada por fantasmas de escravos e de viajantes de tropas, os que ficaram se refletiam em sermões. Recitando hinos, repetindo sacramentos, tocando em solo santificado como uma ponte para a salvação, agarravam-se a poderes que não podiam ver.
E ali, por tanto tempo, ela esperou.

Tuesday, June 8, 2010