Monday, May 2, 2011

Viaduto Blues

Viaduto na sombra. De uma janela ao lado, Eliza olhava carros inundando a pista em horas de pico. "São Cristóvão abandonou a todos nós," ela pensava.

"Vou ficar aqui, olhando o viaduto passar, até amanha de manhã. Até que esse cinza encoberto pela noite, às vezes revelado em sujeiras relampejadas pela luz dos carros; até que esse horizonte cortado, travado em janelas cobertas de fuligem; até que a visão aqui em frente se expanda uma outra vez, a luz de um dia que não seja cinza retorne num colorido de prédios amanhecendo, sem o barulho nem a fuligem dos carros.

Eu vou ficar aqui, repito, ouvindo um cantar de cigarras nos paus, impossíveis flores de outono, quantas quedas. Vou ficar enquanto posso olhar dessa janela; esperando Juscelino e sua guitarra, esperando seu sorriso branco de tantos dentes enfileirados, sua voz mostrando-se às vezes enquanto me fala dos tangos que ouviu tocar, dos bares escuros nos quais se apresentou; falando, sem um som, das mulheres que lhe deram pouso e companhia.

Aqui estou, São Cristóvão, abandonada. Cinza como a visão que tenho diante de mim. esperando torcendo por um dia de cores abertas, outras profundidades, sons de outra festa.

Querendo não esperar nunca mais. Nem por silêncio de carros, nem por Juscelino chegando."